29 de outubro de 2008

Olhar como quem vê...

Lisboa escurece e a noite que começa a entrar pelas janelas deixa perceber o frio do Inverno que se vai anunciando.
Na rua ainda movimentada, pessoas e vidas convergem apressadas para carros, prédios, lojas, supermercados. Supermercados que apinhados deixam passar algum entendimento sobre a vida.
São 18h30 da tarde, mulheres, mães de familia, correm e cruzam os corredores de alimentos empurrando pequenas coisas que irão levar até casa como já o fizeram e farão tantas outras vezes.
Certamente que sairam do trabalho há pouco, e se aventuraram por entre o trânsito para mergulhar em corredores de alimentos. Tudo para os filhos que chegam da escola, para o marido que vem do trabalho ou até mesmo para a sogra que teimosamente bate à porta todos os dias só para dois dedos de conversa ou de confusão.
Os carrinhos vão enchendo à medida da bolsa ou das necessidades.
Por ali passam todos os dias dezenas de pessoas, dezenas de vidas, dezenas de necessidades.
A mãe que compra o óleo que lhe falta para o jantar ou a que faz o avio do mês.
A mãe que estica o orçamento ao milimetro para que o pão chegue à mesa, ou a que mais relaxadamente se dá ao luxo de pequenas estravagâncias alheias à necessidade.
A mãe que escolhe o produto mais barato do supermercado mais barato ou aquela que contrariamente, leva o primeiro que os olhos encontram.
De vez a vez, corre uma formiguinha saltitante a gritar: " Mãe quero umas bolachas", "Mãe quero gomas", "Mãe quero um chocolate"... "mãe", "mãe" , "mãe"...
Práticas comuns, para aqueles que desconhecem o rigor diário e tentam pôr no cesto, não a necessidade, mas a vontade.
Às vezes as mães deixam, cedem, outras até não. Mais uma vez o maldito orçamento que não o permite. E eles choram. Não por tristeza, mas por incompreensão.
Às vezes ser criança também doi. Doi a vontade que não se satisfaz, o desejo que não se mata, o não que custa sempre tanto a ouvir e que sempre irá custar.
A vida irá mostrar-lhes que o chocolate há-de vir uma ou outra vez, mas não sempre. Irão quem sabe passear-se um dia pelo supermercado, e também eles dizer "não" às pulguinhas que trarão às bainhas da roupa. Por hoje vão voltar para casa...
Já é noite em Lisboa, as filas desfazem-se, os carros estacionam-se, as portas fecham-se. Amanhã será um novo dia de compras.

23 de outubro de 2008

Mariza - Chuva


  

"As coisas vulgares que há na vida
Não deixam saudades
Só as lembranças que doem
Ou fazem sorrir 

Há gente que fica na história
da história da gente
e outras de quem nem o nome
lembramos ouvir  

(...) "

22 de outubro de 2008

Vale a pena ler...

"O tempo é distante. 
Há anos, eu tinha uma namorada com quem costumava passar as tardes de domingo. Ficávamos deitados ao lado um do outro na alcatifa de uma sala num andar alto das avenidas novas.
Pousávamos os pés descalços em cima do sofá e olhávamos para o tecto. Não nos sentávamos no sofá, claro. Essa possibilidade nunca nos ocorreu. Nessas tardes, um dizia uma coisa e o outro ficava a pensar nisso, um dizia uma coisa e ficávamos os dois a pensar nisso, víamos essas palavras projectadas no tecto. Uma das coisas que gostávamos de fazer e que, a partir de certa altura, passámos a fazer sempre, era uma espécie de jogo em que, deitados no chão, com as pernas altas, com o olhar desfocado no tecto, um de nós imaginava uma pergunta que começava sempre com “quantas pessoas”. Exemplo mais simples: quantas pessoas estarão neste momento a ter um filho? Exemplo um pouco mais complexo: quantas pessoas já se engasgaram hoje com uma espinha de peixeespada em Lisboa? 
O tempo é determinante: agora, hoje, este mês. 
Não é a  primeira ocasião em que escrevo sobre este passatempo em que ninguém ganhava e ninguém perdia. Não me consigo recordar onde foi que escrevi antes sobre ele. Creio que, nessa referência passada, o colocava num contexto fictício. Seja como for, tanto faz. Por um lado, hoje em dia, o autoplágio é chique e, por outro, tenho ainda muito para dizer acerca do fascínio que esse jogo causava em mim: a súbita tomada de consciência de uma realidade tão diferente daquela e, no entanto, sobreposta àquela. Lá, nesse tempo, era uma tarde de domingo, nós estávamos deitados no chão, levantávamo-nos apenas para ir buscar limonada ... " 


19 de outubro de 2008

Lá fora

A noite escura e fria embala os corações de todos os que lá fora esperam mais um amanhecer. As camas de cartão feito disfarçam a rigidez do chão ou do banco de jardim, e adormecem. Adormecem como quem abafa os sentidos do nada ter, como quem esquece a tristeza de ser sem ser, como quem perdoa a rigidez daquele chão que toda a noite os acolhe.

São sem tecto, são sem casa, são aquilo que todos um dia podemos vir a ser, mas que (ainda) não somos. A vida nalgum momento foi madrasta e não mãe para aqueles que sem pressa vêm a lua, sem romantismo observam as estrelas e do céu fazem o tecto, e do jardim fazem a casa, e da rua fazem a vida.

Os parques de estacionamento são o trabalho, a ocupação, a igreja é a esmola que ainda que mal garantida, é o possível pão do dia. E a baixa é o passeio. Não o passeio de quem passeia, mas o passeio que se torna irmão, familia, companheiro de um e outro dia.

Lá fora, a noite que embala estes filhos da rua, diz-me que é hora que dormir... Amanhã, mais um dia virá, e amanhã, a noite será menos fria, menos escura, menos madrasta, mais mãe.

5 de outubro de 2008

Nao resisti : 

"I hate the way you talk to me, and the way you cut your hair.
I hate the way you drive my car.
I hate it when you stare.
I hate your big dumb combat boots, and the way you read my mind.
I hate you so much it makes me sick; it even makes me rhyme.
I hate the way you're always right.
I hate it when you lie.
I hate it when you make me laugh, even worse when you make me cry.
I hate it when you're not around, and the fact that you didn't call.
But mostly I hate the way I don't hate you.
Not even close, not even a little bit, not even at all"


2 de outubro de 2008


Vejo-te a meu lado quando os meus olhos se fecham na tardia noite,
Mas sei que não estás.
Quero poder abraçar o conforto que me podes trazer,
E gritar a saudade que aperta incessantemente por entre as frechas da tuas ausencia.
A chuva e a noite do meu medo abalaram a tua presença em mim,
Mas agora que o sol raiou, algo me diz que vais ficar.